quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NA PAZ, A ORAÇÃO E A MEDITAÇÃO


DIÁCONO ÉDERSON



NA PAZ, A ORAÇÃO E A MEDITAÇÃO

INTRODUÇÃO
Este texto, ainda que introdutório, quer mostrar a importância da oração meditativa da Palavra como experiência de paz. A paz, indispensável à vida cristã, é primeiramente graça divina. Ela é também colaboração humana através da abertura de alma e coração à ação salvífica de Deus.

1. A PAZ QUE DESEJAMOS
Vivemos em um mundo que precisa da paz. A paz em todos os sentidos. Paz entre as nações em guerra; paz nas relações humanas; paz nas famílias; paz nos corações. Dentre essas, a mais importante é a paz nos corações; desta dependem as demais. Só um coração que repousa em Deus e tem a paz é capaz de expressar ao mundo e a todas as pessoas como ser e viver em meio a este mundo tão sofrido por falta da paz. Todos os problemas do mundo têm sua origem nos corações sem paz.
Mesmo se conseguirmos a tão desejada paz em nossas vidas, não faltarão, certamente, as turbulências que nos farão hesitar. Mas isto é comum a todos os seres humanos. A diferença, contudo, entre aqueles que têm paz daqueles que não a tem é muito clara: quem tem a paz de Jesus tem a força de Deus em seu favor; quem, porém, não a tem, diante dos problemas, desespera-se, não consegue concentrar-se e discernir sobre o que fazer. Pode, no máximo, contar com suas próprias forças.
A paz é acima de tudo graça de Deus. Quem está n’Ele obtém as ajudas necessárias para enfrentar todo e qualquer obstáculo. Basta crer em Sua ação salvífica. Trata-se de um dom de Deus, pois sem ele “nada podemos fazer” (Jo15,5).
1.1 Uma força dada por gratuidade de Deus:Todos nós queremos e precisamos da paz de Cristo. Não há dúvida sobre isso. É ela que nos mantém saudáveis, alegres e esperançosos. Tudo o que fazemos de bom na vida, em favor de nós mesmos e dos outros, deve ter um por que. É impossível agir por muito tempo sem saber por que faz isto ou aquilo. Nossas ações precisam de um significado divino. Por isso é tão comum encontrar pessoas que ficam doentes, principalmente depressivas, quando perdem o sentido de suas ações e de sua existência. O vazio que elas sentem caracteriza-se, quase sempre, por uma tristeza imensa e sem origem pré-determinada.
A paz nos faz tranqüilos e capazes de evitar muitas tribulações existenciais. Quando estamos na paz do Cristo podemos (re)significar nossas atitudes porque o Senhor mesmo nos impele a agir segundo a Sua vontade e não segundo a nossa. Agir em Cristo significa agir com sentido pleno de vida, pois só Ele é o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Para obtermos a paz é preciso uma abertura interior a Deus revelado em Jesus Cristo. Uma atitude de total confiança, sem nos deixar envolver pelos raciocínios que podem nos levar à duvidas e ao desânimo. Mas é preciso também saber que tudo em nossas vidas faz parte do grande mistério de amor do Pai. Até mesmo as nossas dores participam desse mistério. Em situações específicas da vida como as tristezas e o vazio existencial, elas podem (e devem) ser matéria para avaliação de nossos atos e nossa conduta de fé. Sobretudo, podem ser usadas pela “graça divina para o nosso crescimento e amadurecimento”[1].
Enfim, na dor ou no amor nossa fé é provada e amadurecida. De fato, a paz que o mundo nas dá é insuficiente para matar a sede de Deus que há dentro de cada ser humano. A Igreja não se cansa de ensinar que a paz de Cristo não é a mera ausência de guerra, como o mundo crê. A paz é dom de Deus e resposta humana, livre e generosa.
Para o cristão verdadeiro, a paz que o mundo oferece é muito pouco. A paz dada pelo mundo àqueles que adquirem um pouco de dinheiro ao longo da vida, que são ser fisicamente atraente aos olhos do mundo, que possuem um belo emprego ou mesmo boa saúde é pura ilusão; é um pensar muito pobre e reduzido sobre a vida.
Ter tudo isso pode ser interessante, mas é insuficiente para obter a paz de Cristo. Talvez até seja uma oportunidade para a perdição eterna. A paz de Cristo só depende de um coração que ama. Não importa as condições físicas, econômicas ou culturais, pois Deus ama a todos, sem distinção alguma.
Diz-nos as Escrituras:
(...) o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura se possa vangloriar diante de Deus (1Cor 1,27-9).
A paz que Jesus trouxe à terra é fruto do Espírito Santo, portanto não é algo que passa depressa, como passam as debilidades do mundo.
É preciso ter a consciência de que estamos no mundo, apesar de não sermos dele (Jo 17,14). Significa dizer que devemos viver em meio às provações que este mesmo mundo nos prega. Mesmo a paz de Jesus não nos tira completamente dos problemas humanos, mas nos dá a força necessária para enfrentá-los. E isto basta para uma vida feliz.
É preciso, muitas vezes, sofrer as demoras de Deus e ser paciente. A paz não é um objeto que se compra, mas é uma força dada gratuitamente por Deus. Quão importante é levar a sério a palavra que diz: “Javé dá força ao seu povo, Javé abençoa seu povo com a paz” (Sl 29,11). O que nos resta fazer? Crer sem reservas e sem medo.
1.2 O Deus da pazA paz que vem de Deus é ação salvadora, mas exige a abertura interior de acolhida que faz verdadeira mudança na nossa maneira de pensar, agir e sentir. Não podemos, por isso, ficar especulando, reclamando ou dizendo o que Deus deve fazer ou deixar de fazer em nosso favor. Ninguém sabe a hora e o lugar da ação de Deus em nós e por nós (cf. Mt 24,36).
Esperar por Ele já é o princípio da paz. É poder manter-se tranqüilo e esperançoso. Sobre a alma confiante, Deus atua. Lembremos da experiência do profeta Elias, sobre o Monte Horeb. Deus não estava no terremoto, no furacão ou no fogo. Estava, sim, na brisa suave (Cf. 1Rs 19,11-13). Ela representa a paz, que é fruto do Espírito Santo agindo sobre a alma que tem fé.
Ao contrário, quando estamos perturbados, deprimidos ou agitados, não deixamos espaço para Deus agir porque estamos mergulhados em emoções e pensamentos que nos fecham em nós mesmos. Fazem-nos querer resolver e planejar as coisas como se tudo dependesse de nós.
É uma tendência humana de querer, em meio às preocupações, confiar nas próprias forças. O problema daí decorrente é a confusão interior; explodimos como um furacão e colocamos fogo em nossas relações. Acabamos por nos ferir e decepcionar as pessoas próximas. Pioramos a situação porque perdemos a paz até este momento adquirida. Prestemos, pois, atenção a Deus que nos insiste:
Com efeito, assim diz o Senhor Javé, o Santo de Israel: na conversão e na calma está a vossa salvação, na tranqüilidade e na confiança está a vossa força (Is 30,15).

1.3 Uma paz que percebe o outroQuem de nós não ficaria constrangido em perceber que pessoas que amamos e estão a nossa volta não possuem a paz? Logo, perderíamos a paz só em pensar nessas pessoas. A paz de Cristo não é algo egoísta, uma anulação dos sentidos ou uma espécie de anestesia para não perceber os irmãos. Não é assim! A paz de Cristo nos faz olhar, amar e acolher o outro.
Para tanto precisamos cultivá-la primeiro em nós e depois transmiti-la. Toda a manifestação de Deus nasce individualmente, mas logo é disseminada a outras pessoas. Isto porque todas as relações de Deus não são individualistas, mas profundamente comunitárias. Deus mesmo é Trindade, isto é, um Deus que é família e age sempre como tal.
Deste modo, Deus se utiliza das pessoas para transmitir e concretizar sua paz no mundo. Como dizia são Serafim de Sarov, “adquirida a paz interior, e uma multidão encontrará a salvação ao seu lado”[2]. Entretanto, como dissemos, é preciso abertura interior. Mas por onde começar? Pela oração confiante de filhos amados de Deus. O diálogo com Deus transforma o humano em divino; quem reza adquire e transmite paz. Quem não reza, no máximo pode transmitir aos outros as próprias “angústias e preocupações”[3].

1.4 A luta interior
Há uma luta interior nos corações em busca de paz. Apesar de ser fruto da graça, é preciso nossa participação e abertura ao Deus da paz. Mas somos livres para aceitá-Lo ou rejeitá-Lo.
Devemos ter clareza que as nossas escolhas podem ser causa de salvação ou perdição eterna. E que os sofrimentos do momento presente são oportunidades para decidirmos por Deus ou contra Ele. Assim, é preciso nos perguntar com sinceridade: vamos confiar cegamente em Deus ou vamos continuar brincando de acreditar enganando-nos a nós mesmos? Seja qual for a resposta, ela aumenta a tensão interior que há em cada um de nós. Essa tensão é a luta interior que travamos entre a nossa vontade e a vontade de Deus. Somos e estamos divididos, por isso buscamos, desesperadamente, a paz.
É também uma luta contra o pecado e suas conseqüências. Mas em nosso socorro estão as virtudes da fé, esperança e caridade, porque acreditamos que “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). A força de Deus é que nos mantêm serenos nos combates. A dor que temos é totalmente compreensível, afinal de contas, nosso ego é ferido só em que a nossa vontade nada vale diante da vontade de Deus. De fato, “através de muitas tribulações é que temos de entrar no Reino de Deus” (At 14,22).
Tudo está nas mãos de Deus; ele pode evitar-nos os sofrimentos, da mesma forma que no-los pode impor; com freqüência nos deixa sossegados – oxalá queira continuar assim! –, mas, ao contrário, também com freqüência nos submete à prova, a todos, de uma forma ou de outra. Mais cedo ou mais tarde, na vida de todos, surgem a dor, as tristezas e as dificuldades. Assim deve suceder; porém quanto antes compreendamos que se trata de uma lei da nossa condição de cristãos, melhor para nós. As gerações se sucedem umas às outras, como as folhas das árvores na primavera, e em todas elas se pode observar a mesma lei. Para triunfar, o homem deve antes ser provado; para ser exaltado, há de ser antes humilhado. Para poder entrar com Cristo na glória, deve superar antes as provas desta terra[4].
Na luta interior, a dor provocada é expressão do amor de Deus e, se bem entendida, nos leva ao amadurecimento psíquico, moral e espiritual. O amor de Deus tem muitas razões de ser. Falemos de duas razões muito importantes.
Ao escrever sobre a paz, Jacques Philippe diz que a luta que enfrentamos com nossa própria humanidade, tem o intuito de salvaguardar a serenidade de nosso ser contra o inimigo, o demônio, que tenta destruí-la dentro de nós.
Uma das estratégias do mal é justamente “afastar uma alma de Deus e atrasar o seu progresso espiritual (...)[5]” a fim fazê-la perder a paz. É necessário, pois, pensar e rezar sobre essa luta. Pode acontecer que lutemos a favor do mal e contra nós e contra Deus. Um exemplo disso se dá quando pensamos que ao conquistar a paz estaremos imunes a todos os problemas humanos como que por um passe de mágica. Aí reside nosso auto-engano! Quem pode ser tão pretensioso a ponto de sentir-se merecedor de uma graça tal que o torne imune aos sofrimentos e ao pecado?
Ora, não somos deuses, mas seres humanos, portanto, cheios de limites e mendicantes do amor e da paz do Senhor. Deus só precisa de nosso sim diário; de nossa alma confiante, pois “Ele sabe de que somos feitos e não se esquece de que somos pó” (Sl 102,4).
O combate espiritual de que falamos não consiste na abolição de todos os nossos pecados. É uma capacidade humana, auxiliada pela graça atual e suficiente de Deus, que nos ajuda aceitar a condição humana sem, contudo, nos deixar abater pelos inevitáveis fracassos. Ele é um bálsamo contra o desânimo. Portanto, a paz é que está em jogo em nossa luta interior. Mas não estamos sozinhos. Contamos com Deus e com a comunidade de fé – a Igreja – que caminha conosco neste mundo.


2. OBSTÁCULOS A SEREM SUPERADOS

De tudo o que foi falado, vê-se claramente que a condição para possuir a paz de Deus é passar pelo caminho da dor, pela cruz que cada pessoa possui e carrega ao longo da vida. A dor não é castigo, mas o resultado lógico daqueles que seguem Jesus. Ele mesmo carregou a sua. Sem ela não haveria ressurreição.
A mesma coisa acontece com os seus seguidores: se não carregam suas cruzes, não poderão ressuscitar no último dia: “Aquele que não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim. Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perder sua vida por causa de mim, a achará” (Mt 10,38-39).
É muito interessante compreender este paradoxo da vida cristã, segundo o qual para ter a paz é preciso travar uma guerra, como dizia santa Catarina de Sena. Entendamos bem: a guerra aqui é contra o pecado.
Em geral, a dificuldade em possuir a paz origina-se pelo medo que temos de lutar contra nossas tendências egoístas. No fundo, resistimos em mudar de vida. Achamos dificuldades para nos converter a Cristo.
Isto é, de certa forma, até compreensível, já que a conversão exige que andemos por caminhos desconhecidos. Mas é preciso confiar cegamente em Deus. Basta pensar um pouquinho para perceber sua grande bondade em dar ao homem a liberdade, a fim de que possa escolhê-Lo ou rejeitá-Lo. Mas como não escolhê-Lo se é puro amor e fonte da tão desejada paz?
Muitos são os obstáculos na (re)escolha por Deus. Falemos de dois fundamentais: a falta de confiança na providência de Deus e o medo dos sofrimentos[6].
A desconfiança na providência é muito mais comum do que podemos imaginar. “A providência de Deus são todas as disposições pelas quais Deus conduz com sabedoria e amor todas as criaturas até o seu fim último”[7]. Ela nem sempre é compreendida porque é mais fácil – e até mais cômodo – confiar nas próprias forças.
Estamos obcecados pelo materialismo, pelo consumismo e por muitas formas de prazeres sensíveis. Por isso é muito difícil acreditar no invisível. Mas pensemos bem. A providência, assim como toda a ação divina, é muito concreta.
Talvez não se acredite no invisível porque há uma necessidade inerente aos seres humanos de ver, tocar, sentir, experimentar. Como o apóstolo Tomé, que não acreditou só pelo testemunho dos outros apóstolos, e foi preciso que Jesus aparecesse para poder acreditar.
Aqui está o autêntico problema: muitos não crêem na Providência porque nunca a experimentaram, mas não a experimentaram porque não deram o salto no vazio, o salto da fé, e assim não lhe deixam a possibilidade de intervir: calculam tudo, prevêem tudo, cuidam de resolver tudo pelos seus próprios meios, em vez de contar com Deus[8].
A experiência da providência, contudo, não é algo mágico ou mesmo ordenado conforme a lógica humana. É preciso fé pura e desinteressada, além de espaço para Deus agir em cada pessoa. Acreditar sem medo. Isto nos é pedido por Deus para que Ele possa agir. Apenas isso.
No entanto esse não é o único problema. O medo dos sofrimentos presentes e futuros podem bloquear a fé e a coragem. Com a descrença na providência, vem o temor pela falta de coisas necessárias à vida. E com o temor da falta, aparece a preocupação pelos sofrimentos advindos dessa falta. A descrença é um círculo vicioso.
Deus pode até permitir que nos faltem certas coisas – algumas indispensáveis à vida – mas nunca nos deixa só, nem desprovidos do essencial: sua presença, seu amor e sua paz.
Se queremos levar até o extremo a nossa fé cristã, temos de estar convencidos de que, tanto em âmbito da nossa história pessoal como na história do mundo, Deus é suficientemente bom e poderoso para utilizar em nosso favor todo o mal, seja qual for, e todo o sofrimento, por absurdo e inútil que pareça. Não podemos ter uma certeza matemática e filosófica disto: só pode ser obtida por um ato de fé, mas é precisamente esse ato de fé que nos convida a proclamar a Ressurreição de Cristo, entendida e assumida como a vitória definitiva de Deus sobre o mal[9].
A certeza da vitória de Cristo sobre a dor e o pecado do mundo dá a força necessária para suportar, com paciência, todas as provações que hão de nos visitar. E toda a humanidade é convidada a participar dessa vitória. “Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono” (Ap 3,21).
Se isso nos convencer, obteremos uma força imensa: Deus pode permitir que algumas vezes me falte o dinheiro, a saúde, o talento, as virtudes, mas nunca me faltará ele mesmo, a sua ajuda e a sua misericórdia, e tudo o que permita aproximar-me sempre mais estreitamente dEle, amá-lo mais intensamente, amar melhor o próximo e alcançar a santidade[10].
Portanto, tenhamos confiança e destemor diante de Deus, mantendo-nos com olhos fixos n’Ele.

3. MEDITAÇÃO: UMA PRÁTICA DE ORAÇÃO QUE BUSCA A PAZ

Vamos concluir este breve esboço falando, em termos práticos, da oração como caminho seguro e eficaz para a conquista da paz interior em nossos corações. Falemos daquela oração ou meditação que utiliza todas as capacidades humanas para estabelecer uma profunda e transformadora experiência de união com Deus. Logo, de paz e serenidade.
A meditação é o encontro de profundidade com Deus através da leitura e reflexão da Palavra. É a capacidade de não apenas ler a Palavra, mas saboreá-la com a alma, a vontade, o pensamento e o coração.
A atmosfera própria à meditação é de tranqüilidade, paz e equilíbrio. O espírito deve estar apto a se entregar à reflexão com simplicidade e paz. A vontade deve estar orientada para o bem e fortalecida no desejo da união com Jesus. Jamais é requerida grande capacidade intelectual. E não é necessário que a vontade se sinta arder em arrebatamentos de intenso amor[11].
Pode acontecer que nem sempre se consiga, ao longo da prática da meditação, a concentração necessária à qualidade espiritual. É questão de tempo, de aprendizagem e de paciência consigo mesmo. Na dinâmica da vida espiritual, somos sempre aprendizes.
Uma boa meditação pode muito bem ser “seca”, “fria” ou “obscura”. Pode mesmo ser consideravelmente importunada por distrações involuntárias[12].
Isto quer dizer que nem sempre após a oração há um sentimento de satisfação e leveza. À medida que ampliamos a vida de oração, pode acontecer que aumente em nós a sensação de insegurança e incompreensão sobre aquilo que se reflete – o objeto da meditação. Isto acontece porque quanto maior for a qualidade de nossa entrega a Deus, maior será a consciência de que contemplamos mistérios grandes demais para nossa pobre compreensão. A grandeza de Deus nos deixa inseguros, por isso a fé deve ser uma adesão de coração e de vontade e não tanto entendimento racional.
A “‘experiência’ contemplativa das coisas divinas muitas vezes é atingida na treva da “fé pura”, numa certeza que não vacila, se bem que não possa ter apoio em nenhuma evidência clara e definida”[13]. Mas porque isto acontece? Não podemos esquecer-nos que “a energia da meditação é gerada não pelo raciocínio, mas pela fé”[14]. Então a nossa meditação acompanha o movimento de nossa fé. Ora, sabemos que a fé é, por vezes, vacilante. Portanto se ela vacila, logo a meditação também fica obscura, pois uma depende da outra. Mas se vacilamos, precisamos recomeçar. Não somos maus por perder a fé em alguns momentos ao longo da vida. Precisamos, entretanto, colaborar na obra salvífica de Deus fazendo nossa parte: buscando a identificação com Cristo para obtermos dele a paz.
A identificação que procuramos na oração mental é, portanto, uma tomada de consciência da união que, verdadeiramente, já existe entre a alma e Deus, efetuada pela graça”[15].
A seguir, vamos observar algumas atitudes para aprimorar a prática da oração meditativa e, conseqüentemente, a paz interior em nossos corações.

3.1 Primeira atitude: RecolhimentoÉ preciso recolher-se para poder fazer uma bela meditação. Isto implica em se afastar de todos os pensamentos, todos os desejos e preocupações por um momento. Devemos tentar, o máximo possível, “limpar” dentro da mente todas as imagens que permanentemente nos afetam, tais como imagens de coisas e pessoas que casualmente vemos em jornais, revistas, propagandas, televisão, internet, out-doors e muitas outras vias de comunicação.
Por isso, antes de iniciar propriamente a meditação, é preciso tempo de concentração, respiração e boa posição física. A paz costuma ser gerada nesta atmosfera de paciência e atenção silenciosa à meditação.

3.2 Segunda atitude: humildade diante da oração
Para aprofundarmos na vida de oração é preciso ter consciência de nossas debilidades; da necessidade da misericórdia de Deus, pois não sabemos como orar (cf. Lc 11,1) diante de Deus.
“Na oração mental entramos num domínio do qual não somos os senhores, e nos propomos a consideração de verdades que excedem nossa compreensão natural e que têm, no entanto, o segredo de nosso destino”[16].
Assim, diante do Senhor temos que nos fazer um ‘nada’ por amor. Ser nada significa nada exigir, nada criticar, nada raciocinar. Deus só pode encher de paz aqueles que se fazem um nada diante d’ele, pois se estão cheios de si mesmos, não há espaço para Deus.

3.3 Terceira atitude: tomar consciência do lugar da oração
É preciso encontrar um lugar que ajude a prática da oração. Talvez a preferência seja um ambiente silencioso. Um lugar que possamos estar sozinhos com Deus. Depois, outras atitudes são importantes: ter uma postura corporal relaxante que ajude a rezar, marcar um tempo para a oração, para não encurtá-la por causa das preocupações ou distrações e nem alongá-la demais, pois precisamos sugerir um tempo para meditar e cumpri-lo a rigor; isso ajuda na disciplina e obediência a nós mesmos.
No ambiente de oração, pode uma música relaxante, como sons ambientais da natureza, pássaros, o som do mar e outros podem nos ajudar na concentração. A respiração é algo fundamental. É preciso inspirar e expirar com calma. Pode-se, em pensamentos, inspirar a paz de Deus e expirar os problemas, as preocupações por alguns instantes.

3.4 Quarta atitude: diante da presença de Deus
Aos poucos devemos fazer silêncio interior. Entrar dentro de si e esquecer-se do barulho externo. É importante iniciar com uma oração espontânea, pedindo a presença de Deus, louvando e agradecendo Sua presença; pedindo que oriente este momento de meditação. Se houver dificuldades nos momentos iniciais, ou mesmo em fazer uma oração espontânea, pode-se recitar um salmo ou cantar um mantra, um refrão ou uma invocação ao Espírito Santo.
Importante também é pedir uma graça no início da meditação. Por exemplo, a graça de ouvir os apelos de Deus naquela ocasião. Pode-se pedir para não ser surdo à voz de Jesus. É a oportunidade de pedir a paz no coração...
Mas este exercício não pode ser forçado. No início é difícil haver concentração. Mas devemos ter paciência, serenidade até porque estamos conhecendo nossas reações diante da oração, diante de Deus. E só saberemos o quê pedir e como pedir a Deus quando começarmos a nos conhecer.

3.5 Quinta atitude: texto bíblicoPodemos começar por um pequeno texto. Deve ser lido, relido, entendido e meditado. Como? Entrando no ambiente daquele texto; ver, ouvir e falar com os personagens; apontar a presença de Jesus, de Maria; perceber cada um deles, as expressões faciais, a posição das mãos, a expressão corporal etc.
Também devemos perguntar a eles, tirar nossas dúvidas. Falar com Jesus, deixar-se tocar por ele, ser visto por ele. Visualizar o sorriso de Jesus, a maneira que ensina, como se dirige às pessoas.
Prestemos atenção nos sentimentos que surgem nesse momento: paz, alegria, inquietação, medo, dúvida, angústia, amor, paz... após tudo isso, terminemos o momento de meditação pedindo a Deus forças para continuar a caminhada da vida.

3.6 Sexta atitude: retomar o ambiente de oraçãoAo abrir os olhos, visualizando novamente o ambiente da oração, podemos nos lembrar de tudo o que foi importante na oração. Como estávamos antes e como estamos agora; os sentimentos bons e ruins; o que o texto despertou em nós. A palavra meditada nos fez lembrar de alguma fase ou de algum fato da vida? Que apelo Deus nos fez? Pediu-nos algo? Houve resistência à sua Palavra? Isto tudo pode ser anotado num caderno de meditação. E servirá como um tesouro ou como um testamento espiritual que nos alimentará em muitas ocasiões da vida.
A meditação é a obra espiritual de encontro, de acolhida e experiência profunda de paz com Deus. Trata-se de um mergulho no abismo intransponível do amor pessoal e eterno de um Deus que não sabe fazer outra senão amar intensamente. Portanto, não tenhamos medo de entregar tudo a Ele. É ele quem cuida de nós, é Ele a nossa paz e a nossa salvação.
Olhai os pássaros do céu; não semeiam nem colhem, não têm celeiro nem depósito; mas Deus os alimenta. Quanto mais valeis vós do que as aves! Quem dentre vós, com as suas preocupações, pode prolongar por um pouco a duração de sua vida? Portanto, se até as coisas mínimas ultrapassam o vosso poder, por que preocupar-vos com as outras? Considerai os lírios do campo, como não fiam nem tecem. Contudo, eu vos asseguro que nem Salomão, com todo o seu esplendor, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo que existe hoje a amanhã será lançada no forno, quanto mais vós, homens fracos na fé! Não busqueis o que comer e ou beber; e não vos inquieteis! (Lc 12, 24-29)
E também:
Não vos inquieteis com nada; mas apresentai a Deus todas as vossas necessidades pela oração e pela súplica, e em ação de graças. Então a paz de Deus, que excede toda a compreensão guardará os vossos corações e pensamentos, em Cristo Jesus (Fl 4,5-6).
Confiando assim em Deus, teremos a sua paz; e nada poderá tirá-la de nós.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 2002. 2206p.
2. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. 734p.
3. MERTON, Thomas. Direção Espiritual e Meditação. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes. 1965 126p.
4. NEWMAN, J. A maturidade cristã. Trad. Nivaldo F. Sampaio. São Paulo: Paulinas. 1968, 239p.
5. PAULA, Blanches. LEITE, Nelson L. C. (org.). O Evangelho e as questões emocionais. 2ª ed. São Paulo: Metodista. 2004. 70p.
6. PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, 101p.
Diácono Éderson.
______________
[1] PAULA, Blanches. LEITE, Nelson L. C. (org.). O Evangelho e as questões emocionais. 2ª ed. São Paulo: Metodista. 2004. p. 43.[2] São Serafim de Sarov apud PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 09.[3] Ibid p.10.[4] NEWMAN, J. A maturidade cristã. Trad. Nivaldo F. Sampaio. São Paulo: Paulinas. 1968, p. 116.[5] PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p.12.[6] Estas duas idéias estão presentes na obra de Jacques Philippe (Cf. PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 25).[7] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. N. 321. São Paulo: Loyola, 2000. p. 95.[8] PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 26.[9] Ibid. p. 28.[10] Ibid, p. 40.[11] MERTON, Thomas. Direção Espiritual e Meditação. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes. 1965. p. 81[12] Ibid, p. 81.[13] Ibid, p. 82.[14] Ibid, p. 82.[15] Ibid, p. 90.[16] Ibid., p. 96.

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