sexta-feira, 14 de novembro de 2008

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

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LEMA DE ORDENAÇÃO


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“Em Ti espero. Senhor, na dor e no amor, fiel eternamente”.
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quarta-feira, 22 de outubro de 2008

AMOR AO PRÓXIMO: O POBRE E O PEQUENINO

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O NT deixa evidente a predileção de Jesus pelos pobres, pelos pequeninos do Reino. Por aqueles irmãos que sofrem e que, por isso, precisam ser amados de uma forma toda especial. O amor concreto aos pobres decorre, em primeiro lugar, da maneira como Jesus se relacionou alhures com os homens, isto é, ele se fez pobre para amar os pobres.
Amá-los, contudo, não se resume à distribuição de esmolas ou a uma atividade filantrópica. Todas as ações em favor desses irmãos têm como princípio o amor ao Homem-Deus que nasceu, viveu e morreu absolutamente desprovido de riquezas, honras e vaidades. Jesus dignificou o pobre e inaugurou a pobreza evangélica. Aquela pobreza, diferente, pois, da miséria, que consiste no despojamento das coisas por amor ao Reino; na perda da notoriedade de uma origem divina para estar em meio às mais desprezíveis criaturas humanas: “(...) famintos, sedentos, forasteiros, nus, enfermos, encarcerados.”[1]
Se Jesus, origem e plenitude do amor assim viveu, cabe aos homens responder a ele com estas mesmas atitudes. Isso significa dizer que a relação de comunhão com o pobre deve começar pela assistência generosa àquilo que lhe falta na urgência do momento presente. Está com fome? Deve comer. Está enfermo? Deve ser atendido, visitado e assistido até sua morte ou sua recuperação. Falta-lhe sentido à vida? Deve ser compreendido, deve poder ver no cristianismo a convicção, a força e a alegria do Ressuscitado. Além disso, deve ser acolhido na comunidade de fé, se estiver de acordo. Atitudes como essas concretizam o amor e desmistificam um cristianismo hipócrita de belas palavras e poucas ações.
Sabe-se, porém, que muitos são os desafios ao cristianismo[2]. Os tempos e as circunstâncias da vida são mutáveis e sempre mais complexas. Imutável, porém, é o amor. Ele é promessa de Deus e garantia da realização de Sua santa Vontade. Por ser criativo, o amor adapta-se e relaciona-se com todas as realidades humanas. Deste modo, quando há autêntica comunhão, a ‘pobreza torna-se uma riqueza de dons’, pois só o amor tem a paradoxal força de multiplicar-se quando é dividido com os irmãos.
A caridade ao pobre, para ser verdadeira caridade cristã, deve ter sua raiz no amor que Cristo trouxe à terra. Ele, em sua época, na Palestina, fez da vida uma completa doação aos pequeninos. Hoje, da mesma forma, continua a inspirar uma gama incontável de ações em prol aos mais necessitados. Não são poucos os cristãos e pessoas de boa vontade que transformam parte ou a totalidade se suas energias em obras de caridade. Não é raro observar que muitos destes que se fazem “pobres em Cristo” transformam-se, por assim dizer, em ‘evangelhos vivos’ de amor a Deus e ao próximo.
O amor levado às últimas conseqüências realiza a Palavra de Jesus – citada por Bento XVI em sua Encíclica – que diz: “Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes”. Esta identificação de Cristo com os pobres, comenta Lancellotti, “é um dos aspectos mais altos e mais impressionantes de toda a mensagem evangélica”[3].
Fazer-se pobre pelo Reino de Deus, a exemplo de Jesus é viver o amor como a única norma da existência humana. É poder contemplar, na face do pobrezinho, a face do Senhor despojado de si mesmo, servo, abandonado e obediente até a morte, e morte de cruz (Cf. Ef 2,8). No irmão pobre é que o amor se torna “critério para a decisão definitiva sobre o valor ou a inutilidade de uma vida humana”[4].
Portanto, todo aquele que experimenta o amor de Deus é impelido a amar. E quando responde despojando-se de tudo para acolher Jesus no pobre terá a alegria de (re)descobrir e de realizar, na própria vida, a Palavra que diz “(...) a mim o fizestes”(Mt 25,40).
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Diácono Éderson.
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[1] BENTO XVI, Papa. Carta Encíclica Deus Caritas Est. N.15. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 29.
[2] Em uma belíssima reflexão sobre a relação entre dor e amor na vida cristã, Chiara Lubich fala dos frutos concretos de uma alma generosa que consegue transformar suas dores em caridade ao irmão. De fato, sabemos que amar o irmão não é fácil, principalmente os pobres, aqueles que não nos mostram muitos atrativos (humanamente falando). Amá-los, decerto, provoca uma espécie de dor, pois é um passo que só encontra sentido se for por Deus. Contudo, diz Chiara, quem prova a dor – neste caso os pobres e os pequeninos – e a oferece como dádiva de amor, prova os efeitos de Deus na forma de misericórdia. “Deus mostra, de modo mais alto e novo, algo que vale mais ainda do que a dor. É o amor aos outros, em forma de misericórdia, amor que faz abrir os braços e o coração aos infelizes, aos mendigos, aos martirizados da vida, aos pecadores arrependidos. Amor que sabe acolher o próximo desencaminhado, seja ele amigo, irmão ou desconhecido e perdoa-lhe infinitas vezes (...). é uma caridade que floresce mais abundante, mais universal, mais concreta do que aquela que a alma antes possuía (LUBICH, Chiara. Meditações. Vargem Grande Paulista: Cidade Nova, 2000. p 60).
[3] LANCELLOTTI, Angelo. Comentário de São Mateus. Petrópolis: Vozes, 1980. p. 220.
[4] BENTO XVI, Papa. Carta Encíclica Deus Caritas Est. N.15. São Paulo: Paulinas, 2007. p. 29.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A IGREJA É POVO DE DEUS MOVIDO PELO ESPÍRITO SANTO

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Em qualquer época e em qualquer povo é aceito por Deus todo aquele que o teme e pratica a justiça. Aprouve contudo a Deus santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constituí-los num povo, que o conhecesse na verdade e santamente o servisse. Escolheu por isso a Israel como o seu povo (LG, 9).

Deus sempre se manifestou aos homens por meio dos profetas. Mas foi em Cristo que Deus Pai selou definitivamente a aliança de amor com seu povo. No centro da missão de Jesus está o Reino de Deus. Mas para que ele seja uma realidade e faça com que todos os povos em todos os tempos permaneçam na verdade e no amor, Jesus precisou de mãos humanas para a construção deste Reino. Daí surge a Igreja, povo de Deus que, na unidade, anuncia o ressuscitado, promove a paz e a justiça e testemunha o evangelho em palavras e atitudes.
A Igreja, é preciso ter claro, é acima de tudo, obra do Espírito Santo. É pelo Espírito que Deus resgata e renova a humanidade corrompida pelo pecado original; a começar pelo batismo que é o “fundamento de toda a vida cristã, o pórtico da vida no Espírito.” Por isso, “pelo batismo somos libertados do pecado e regenerados como filhos de Deus, tornando-nos membros de Cristo, e somos incorporados à Igreja e feitos participantes de sua missão”[1].
Foi por obra do Espírito Santo que a Igreja teve seu princípio junto aos apóstolos. Foi por Ele também que ela continua a ser, sempre mais e melhor, sacramento de salvação em um mundo cheio de contradições e egoísmos. Pela ação do Espírito Santo, a Igreja continua a proclamar a boa nova do Reino de Deus. Sem essa ação renovadora, o povo de Deus não poderia subsistir. “Para estar em contato com Cristo é preciso primeiro ter sido tocado pelo Espírito Santo. É ele que nos precede e suscita em nós a fé”[2].
A palavra Igreja significa ‘convocação’ e indica a assembléia dos fiéis que formam o povo de Deus. Ela está fundada nas palavras e nos atos de Jesus. É sinal visível e espiritual do “mistério de salvação pela efusão do Espírito Santo”[3]. Contudo, só pela fé é possível envolver-se pela ação do Espírito e aderir à comunidade de fé.
A Igreja é povo de Deus movido pelo Espírito Santo e distingue-se de outros grupos humanos porque é caminho de salvação. Deus constituiu seu povo “nação santa, o povo de sua particular propriedade (...)”(1Pd 2, 9-10). Esse povo tem Cristo como cabeça; tem por lei o mandamento do amor; e tem por meta o Reino de Deus. Os efeitos da ação salvífica de Jesus nos crentes, por meio da Igreja, é a elevação destes à condição de filhos amados de Deus, em dignidade e liberdade diante d’Ele. E, mesmo que o povo cristão eleito por Deus não seja a maioria dos homens e mulheres da terra, eles são “(...) para todo o gênero humano germe firmíssimo de unidade, esperança e salvação.”[4]
Deus Pai ungiu a Jesus por meio do Espírito Santo e o consagrou como sacerdote, profeta e rei. Também a Igreja participa destas três funções de Cristo porque possui a missão de anunciá-lo. Assim, o povo de Deus constitui-se:
Um povo sacerdotal: Jesus foi ungido pelo Espírito Santo e constituído sacerdote. O povo de Deus participa deste sacerdócio. “Cristo Senhor, Pontífice tomado dentre os homens (Heb 5,1-5), fez do novo povo “um reino e sacerdotes para Deus Pai (Ap 1,6; 5, 9-10).”[5] O sacerdócio comum dos fiéis consiste na participação e recepção dos sacramentos. A oração, o testemunho de vida, a caridade para com os pobres também fazem parte da vocação sacerdotal do povo de Deus.
Um povo profeta: O povo de Deus participa da função profética de Cristo. Pela adesão à fé, o povo de Deus proclama de forma sobrenatural o evangelho, tornando-se “testemunha de Cristo no meio [do] mundo”[6].
Um povo rei: Jesus atrai o povo pelo exercício de sua realeza. Cristo, rei e senhor do universo, “veio para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20,28). Por isso, para o cristão, ser rei significa servir e não ser servido. É no exercício do amor recíproco, no atendimento aos pobres e abandonados que concretiza-se o reinado do cristão.
Assim, podemos dizer que a Igreja é assembléia que concentra pessoas diferentes, mas com objetivos comuns – participar da vida nova em Cristo Jesus. O Espírito Santo é a alma que mantém unida a diversidade de dons e carismas que fazem parte da Igreja, povo de Deus “reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo.”[7]

Diácono Éderson.

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[1] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 1213.
[2] Ibid, 683.
[3] Ibid, 778.
[4] Lumem Gentium, 25.
[5] Ibid, 10.
[6] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 785.
[7] Lumem Gentuim, 4.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

NA PAZ, A ORAÇÃO E A MEDITAÇÃO


DIÁCONO ÉDERSON



NA PAZ, A ORAÇÃO E A MEDITAÇÃO

INTRODUÇÃO
Este texto, ainda que introdutório, quer mostrar a importância da oração meditativa da Palavra como experiência de paz. A paz, indispensável à vida cristã, é primeiramente graça divina. Ela é também colaboração humana através da abertura de alma e coração à ação salvífica de Deus.

1. A PAZ QUE DESEJAMOS
Vivemos em um mundo que precisa da paz. A paz em todos os sentidos. Paz entre as nações em guerra; paz nas relações humanas; paz nas famílias; paz nos corações. Dentre essas, a mais importante é a paz nos corações; desta dependem as demais. Só um coração que repousa em Deus e tem a paz é capaz de expressar ao mundo e a todas as pessoas como ser e viver em meio a este mundo tão sofrido por falta da paz. Todos os problemas do mundo têm sua origem nos corações sem paz.
Mesmo se conseguirmos a tão desejada paz em nossas vidas, não faltarão, certamente, as turbulências que nos farão hesitar. Mas isto é comum a todos os seres humanos. A diferença, contudo, entre aqueles que têm paz daqueles que não a tem é muito clara: quem tem a paz de Jesus tem a força de Deus em seu favor; quem, porém, não a tem, diante dos problemas, desespera-se, não consegue concentrar-se e discernir sobre o que fazer. Pode, no máximo, contar com suas próprias forças.
A paz é acima de tudo graça de Deus. Quem está n’Ele obtém as ajudas necessárias para enfrentar todo e qualquer obstáculo. Basta crer em Sua ação salvífica. Trata-se de um dom de Deus, pois sem ele “nada podemos fazer” (Jo15,5).
1.1 Uma força dada por gratuidade de Deus:Todos nós queremos e precisamos da paz de Cristo. Não há dúvida sobre isso. É ela que nos mantém saudáveis, alegres e esperançosos. Tudo o que fazemos de bom na vida, em favor de nós mesmos e dos outros, deve ter um por que. É impossível agir por muito tempo sem saber por que faz isto ou aquilo. Nossas ações precisam de um significado divino. Por isso é tão comum encontrar pessoas que ficam doentes, principalmente depressivas, quando perdem o sentido de suas ações e de sua existência. O vazio que elas sentem caracteriza-se, quase sempre, por uma tristeza imensa e sem origem pré-determinada.
A paz nos faz tranqüilos e capazes de evitar muitas tribulações existenciais. Quando estamos na paz do Cristo podemos (re)significar nossas atitudes porque o Senhor mesmo nos impele a agir segundo a Sua vontade e não segundo a nossa. Agir em Cristo significa agir com sentido pleno de vida, pois só Ele é o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Para obtermos a paz é preciso uma abertura interior a Deus revelado em Jesus Cristo. Uma atitude de total confiança, sem nos deixar envolver pelos raciocínios que podem nos levar à duvidas e ao desânimo. Mas é preciso também saber que tudo em nossas vidas faz parte do grande mistério de amor do Pai. Até mesmo as nossas dores participam desse mistério. Em situações específicas da vida como as tristezas e o vazio existencial, elas podem (e devem) ser matéria para avaliação de nossos atos e nossa conduta de fé. Sobretudo, podem ser usadas pela “graça divina para o nosso crescimento e amadurecimento”[1].
Enfim, na dor ou no amor nossa fé é provada e amadurecida. De fato, a paz que o mundo nas dá é insuficiente para matar a sede de Deus que há dentro de cada ser humano. A Igreja não se cansa de ensinar que a paz de Cristo não é a mera ausência de guerra, como o mundo crê. A paz é dom de Deus e resposta humana, livre e generosa.
Para o cristão verdadeiro, a paz que o mundo oferece é muito pouco. A paz dada pelo mundo àqueles que adquirem um pouco de dinheiro ao longo da vida, que são ser fisicamente atraente aos olhos do mundo, que possuem um belo emprego ou mesmo boa saúde é pura ilusão; é um pensar muito pobre e reduzido sobre a vida.
Ter tudo isso pode ser interessante, mas é insuficiente para obter a paz de Cristo. Talvez até seja uma oportunidade para a perdição eterna. A paz de Cristo só depende de um coração que ama. Não importa as condições físicas, econômicas ou culturais, pois Deus ama a todos, sem distinção alguma.
Diz-nos as Escrituras:
(...) o que é fraqueza no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura se possa vangloriar diante de Deus (1Cor 1,27-9).
A paz que Jesus trouxe à terra é fruto do Espírito Santo, portanto não é algo que passa depressa, como passam as debilidades do mundo.
É preciso ter a consciência de que estamos no mundo, apesar de não sermos dele (Jo 17,14). Significa dizer que devemos viver em meio às provações que este mesmo mundo nos prega. Mesmo a paz de Jesus não nos tira completamente dos problemas humanos, mas nos dá a força necessária para enfrentá-los. E isto basta para uma vida feliz.
É preciso, muitas vezes, sofrer as demoras de Deus e ser paciente. A paz não é um objeto que se compra, mas é uma força dada gratuitamente por Deus. Quão importante é levar a sério a palavra que diz: “Javé dá força ao seu povo, Javé abençoa seu povo com a paz” (Sl 29,11). O que nos resta fazer? Crer sem reservas e sem medo.
1.2 O Deus da pazA paz que vem de Deus é ação salvadora, mas exige a abertura interior de acolhida que faz verdadeira mudança na nossa maneira de pensar, agir e sentir. Não podemos, por isso, ficar especulando, reclamando ou dizendo o que Deus deve fazer ou deixar de fazer em nosso favor. Ninguém sabe a hora e o lugar da ação de Deus em nós e por nós (cf. Mt 24,36).
Esperar por Ele já é o princípio da paz. É poder manter-se tranqüilo e esperançoso. Sobre a alma confiante, Deus atua. Lembremos da experiência do profeta Elias, sobre o Monte Horeb. Deus não estava no terremoto, no furacão ou no fogo. Estava, sim, na brisa suave (Cf. 1Rs 19,11-13). Ela representa a paz, que é fruto do Espírito Santo agindo sobre a alma que tem fé.
Ao contrário, quando estamos perturbados, deprimidos ou agitados, não deixamos espaço para Deus agir porque estamos mergulhados em emoções e pensamentos que nos fecham em nós mesmos. Fazem-nos querer resolver e planejar as coisas como se tudo dependesse de nós.
É uma tendência humana de querer, em meio às preocupações, confiar nas próprias forças. O problema daí decorrente é a confusão interior; explodimos como um furacão e colocamos fogo em nossas relações. Acabamos por nos ferir e decepcionar as pessoas próximas. Pioramos a situação porque perdemos a paz até este momento adquirida. Prestemos, pois, atenção a Deus que nos insiste:
Com efeito, assim diz o Senhor Javé, o Santo de Israel: na conversão e na calma está a vossa salvação, na tranqüilidade e na confiança está a vossa força (Is 30,15).

1.3 Uma paz que percebe o outroQuem de nós não ficaria constrangido em perceber que pessoas que amamos e estão a nossa volta não possuem a paz? Logo, perderíamos a paz só em pensar nessas pessoas. A paz de Cristo não é algo egoísta, uma anulação dos sentidos ou uma espécie de anestesia para não perceber os irmãos. Não é assim! A paz de Cristo nos faz olhar, amar e acolher o outro.
Para tanto precisamos cultivá-la primeiro em nós e depois transmiti-la. Toda a manifestação de Deus nasce individualmente, mas logo é disseminada a outras pessoas. Isto porque todas as relações de Deus não são individualistas, mas profundamente comunitárias. Deus mesmo é Trindade, isto é, um Deus que é família e age sempre como tal.
Deste modo, Deus se utiliza das pessoas para transmitir e concretizar sua paz no mundo. Como dizia são Serafim de Sarov, “adquirida a paz interior, e uma multidão encontrará a salvação ao seu lado”[2]. Entretanto, como dissemos, é preciso abertura interior. Mas por onde começar? Pela oração confiante de filhos amados de Deus. O diálogo com Deus transforma o humano em divino; quem reza adquire e transmite paz. Quem não reza, no máximo pode transmitir aos outros as próprias “angústias e preocupações”[3].

1.4 A luta interior
Há uma luta interior nos corações em busca de paz. Apesar de ser fruto da graça, é preciso nossa participação e abertura ao Deus da paz. Mas somos livres para aceitá-Lo ou rejeitá-Lo.
Devemos ter clareza que as nossas escolhas podem ser causa de salvação ou perdição eterna. E que os sofrimentos do momento presente são oportunidades para decidirmos por Deus ou contra Ele. Assim, é preciso nos perguntar com sinceridade: vamos confiar cegamente em Deus ou vamos continuar brincando de acreditar enganando-nos a nós mesmos? Seja qual for a resposta, ela aumenta a tensão interior que há em cada um de nós. Essa tensão é a luta interior que travamos entre a nossa vontade e a vontade de Deus. Somos e estamos divididos, por isso buscamos, desesperadamente, a paz.
É também uma luta contra o pecado e suas conseqüências. Mas em nosso socorro estão as virtudes da fé, esperança e caridade, porque acreditamos que “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28). A força de Deus é que nos mantêm serenos nos combates. A dor que temos é totalmente compreensível, afinal de contas, nosso ego é ferido só em que a nossa vontade nada vale diante da vontade de Deus. De fato, “através de muitas tribulações é que temos de entrar no Reino de Deus” (At 14,22).
Tudo está nas mãos de Deus; ele pode evitar-nos os sofrimentos, da mesma forma que no-los pode impor; com freqüência nos deixa sossegados – oxalá queira continuar assim! –, mas, ao contrário, também com freqüência nos submete à prova, a todos, de uma forma ou de outra. Mais cedo ou mais tarde, na vida de todos, surgem a dor, as tristezas e as dificuldades. Assim deve suceder; porém quanto antes compreendamos que se trata de uma lei da nossa condição de cristãos, melhor para nós. As gerações se sucedem umas às outras, como as folhas das árvores na primavera, e em todas elas se pode observar a mesma lei. Para triunfar, o homem deve antes ser provado; para ser exaltado, há de ser antes humilhado. Para poder entrar com Cristo na glória, deve superar antes as provas desta terra[4].
Na luta interior, a dor provocada é expressão do amor de Deus e, se bem entendida, nos leva ao amadurecimento psíquico, moral e espiritual. O amor de Deus tem muitas razões de ser. Falemos de duas razões muito importantes.
Ao escrever sobre a paz, Jacques Philippe diz que a luta que enfrentamos com nossa própria humanidade, tem o intuito de salvaguardar a serenidade de nosso ser contra o inimigo, o demônio, que tenta destruí-la dentro de nós.
Uma das estratégias do mal é justamente “afastar uma alma de Deus e atrasar o seu progresso espiritual (...)[5]” a fim fazê-la perder a paz. É necessário, pois, pensar e rezar sobre essa luta. Pode acontecer que lutemos a favor do mal e contra nós e contra Deus. Um exemplo disso se dá quando pensamos que ao conquistar a paz estaremos imunes a todos os problemas humanos como que por um passe de mágica. Aí reside nosso auto-engano! Quem pode ser tão pretensioso a ponto de sentir-se merecedor de uma graça tal que o torne imune aos sofrimentos e ao pecado?
Ora, não somos deuses, mas seres humanos, portanto, cheios de limites e mendicantes do amor e da paz do Senhor. Deus só precisa de nosso sim diário; de nossa alma confiante, pois “Ele sabe de que somos feitos e não se esquece de que somos pó” (Sl 102,4).
O combate espiritual de que falamos não consiste na abolição de todos os nossos pecados. É uma capacidade humana, auxiliada pela graça atual e suficiente de Deus, que nos ajuda aceitar a condição humana sem, contudo, nos deixar abater pelos inevitáveis fracassos. Ele é um bálsamo contra o desânimo. Portanto, a paz é que está em jogo em nossa luta interior. Mas não estamos sozinhos. Contamos com Deus e com a comunidade de fé – a Igreja – que caminha conosco neste mundo.


2. OBSTÁCULOS A SEREM SUPERADOS

De tudo o que foi falado, vê-se claramente que a condição para possuir a paz de Deus é passar pelo caminho da dor, pela cruz que cada pessoa possui e carrega ao longo da vida. A dor não é castigo, mas o resultado lógico daqueles que seguem Jesus. Ele mesmo carregou a sua. Sem ela não haveria ressurreição.
A mesma coisa acontece com os seus seguidores: se não carregam suas cruzes, não poderão ressuscitar no último dia: “Aquele que não toma a sua cruz e não me segue não é digno de mim. Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perder sua vida por causa de mim, a achará” (Mt 10,38-39).
É muito interessante compreender este paradoxo da vida cristã, segundo o qual para ter a paz é preciso travar uma guerra, como dizia santa Catarina de Sena. Entendamos bem: a guerra aqui é contra o pecado.
Em geral, a dificuldade em possuir a paz origina-se pelo medo que temos de lutar contra nossas tendências egoístas. No fundo, resistimos em mudar de vida. Achamos dificuldades para nos converter a Cristo.
Isto é, de certa forma, até compreensível, já que a conversão exige que andemos por caminhos desconhecidos. Mas é preciso confiar cegamente em Deus. Basta pensar um pouquinho para perceber sua grande bondade em dar ao homem a liberdade, a fim de que possa escolhê-Lo ou rejeitá-Lo. Mas como não escolhê-Lo se é puro amor e fonte da tão desejada paz?
Muitos são os obstáculos na (re)escolha por Deus. Falemos de dois fundamentais: a falta de confiança na providência de Deus e o medo dos sofrimentos[6].
A desconfiança na providência é muito mais comum do que podemos imaginar. “A providência de Deus são todas as disposições pelas quais Deus conduz com sabedoria e amor todas as criaturas até o seu fim último”[7]. Ela nem sempre é compreendida porque é mais fácil – e até mais cômodo – confiar nas próprias forças.
Estamos obcecados pelo materialismo, pelo consumismo e por muitas formas de prazeres sensíveis. Por isso é muito difícil acreditar no invisível. Mas pensemos bem. A providência, assim como toda a ação divina, é muito concreta.
Talvez não se acredite no invisível porque há uma necessidade inerente aos seres humanos de ver, tocar, sentir, experimentar. Como o apóstolo Tomé, que não acreditou só pelo testemunho dos outros apóstolos, e foi preciso que Jesus aparecesse para poder acreditar.
Aqui está o autêntico problema: muitos não crêem na Providência porque nunca a experimentaram, mas não a experimentaram porque não deram o salto no vazio, o salto da fé, e assim não lhe deixam a possibilidade de intervir: calculam tudo, prevêem tudo, cuidam de resolver tudo pelos seus próprios meios, em vez de contar com Deus[8].
A experiência da providência, contudo, não é algo mágico ou mesmo ordenado conforme a lógica humana. É preciso fé pura e desinteressada, além de espaço para Deus agir em cada pessoa. Acreditar sem medo. Isto nos é pedido por Deus para que Ele possa agir. Apenas isso.
No entanto esse não é o único problema. O medo dos sofrimentos presentes e futuros podem bloquear a fé e a coragem. Com a descrença na providência, vem o temor pela falta de coisas necessárias à vida. E com o temor da falta, aparece a preocupação pelos sofrimentos advindos dessa falta. A descrença é um círculo vicioso.
Deus pode até permitir que nos faltem certas coisas – algumas indispensáveis à vida – mas nunca nos deixa só, nem desprovidos do essencial: sua presença, seu amor e sua paz.
Se queremos levar até o extremo a nossa fé cristã, temos de estar convencidos de que, tanto em âmbito da nossa história pessoal como na história do mundo, Deus é suficientemente bom e poderoso para utilizar em nosso favor todo o mal, seja qual for, e todo o sofrimento, por absurdo e inútil que pareça. Não podemos ter uma certeza matemática e filosófica disto: só pode ser obtida por um ato de fé, mas é precisamente esse ato de fé que nos convida a proclamar a Ressurreição de Cristo, entendida e assumida como a vitória definitiva de Deus sobre o mal[9].
A certeza da vitória de Cristo sobre a dor e o pecado do mundo dá a força necessária para suportar, com paciência, todas as provações que hão de nos visitar. E toda a humanidade é convidada a participar dessa vitória. “Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono” (Ap 3,21).
Se isso nos convencer, obteremos uma força imensa: Deus pode permitir que algumas vezes me falte o dinheiro, a saúde, o talento, as virtudes, mas nunca me faltará ele mesmo, a sua ajuda e a sua misericórdia, e tudo o que permita aproximar-me sempre mais estreitamente dEle, amá-lo mais intensamente, amar melhor o próximo e alcançar a santidade[10].
Portanto, tenhamos confiança e destemor diante de Deus, mantendo-nos com olhos fixos n’Ele.

3. MEDITAÇÃO: UMA PRÁTICA DE ORAÇÃO QUE BUSCA A PAZ

Vamos concluir este breve esboço falando, em termos práticos, da oração como caminho seguro e eficaz para a conquista da paz interior em nossos corações. Falemos daquela oração ou meditação que utiliza todas as capacidades humanas para estabelecer uma profunda e transformadora experiência de união com Deus. Logo, de paz e serenidade.
A meditação é o encontro de profundidade com Deus através da leitura e reflexão da Palavra. É a capacidade de não apenas ler a Palavra, mas saboreá-la com a alma, a vontade, o pensamento e o coração.
A atmosfera própria à meditação é de tranqüilidade, paz e equilíbrio. O espírito deve estar apto a se entregar à reflexão com simplicidade e paz. A vontade deve estar orientada para o bem e fortalecida no desejo da união com Jesus. Jamais é requerida grande capacidade intelectual. E não é necessário que a vontade se sinta arder em arrebatamentos de intenso amor[11].
Pode acontecer que nem sempre se consiga, ao longo da prática da meditação, a concentração necessária à qualidade espiritual. É questão de tempo, de aprendizagem e de paciência consigo mesmo. Na dinâmica da vida espiritual, somos sempre aprendizes.
Uma boa meditação pode muito bem ser “seca”, “fria” ou “obscura”. Pode mesmo ser consideravelmente importunada por distrações involuntárias[12].
Isto quer dizer que nem sempre após a oração há um sentimento de satisfação e leveza. À medida que ampliamos a vida de oração, pode acontecer que aumente em nós a sensação de insegurança e incompreensão sobre aquilo que se reflete – o objeto da meditação. Isto acontece porque quanto maior for a qualidade de nossa entrega a Deus, maior será a consciência de que contemplamos mistérios grandes demais para nossa pobre compreensão. A grandeza de Deus nos deixa inseguros, por isso a fé deve ser uma adesão de coração e de vontade e não tanto entendimento racional.
A “‘experiência’ contemplativa das coisas divinas muitas vezes é atingida na treva da “fé pura”, numa certeza que não vacila, se bem que não possa ter apoio em nenhuma evidência clara e definida”[13]. Mas porque isto acontece? Não podemos esquecer-nos que “a energia da meditação é gerada não pelo raciocínio, mas pela fé”[14]. Então a nossa meditação acompanha o movimento de nossa fé. Ora, sabemos que a fé é, por vezes, vacilante. Portanto se ela vacila, logo a meditação também fica obscura, pois uma depende da outra. Mas se vacilamos, precisamos recomeçar. Não somos maus por perder a fé em alguns momentos ao longo da vida. Precisamos, entretanto, colaborar na obra salvífica de Deus fazendo nossa parte: buscando a identificação com Cristo para obtermos dele a paz.
A identificação que procuramos na oração mental é, portanto, uma tomada de consciência da união que, verdadeiramente, já existe entre a alma e Deus, efetuada pela graça”[15].
A seguir, vamos observar algumas atitudes para aprimorar a prática da oração meditativa e, conseqüentemente, a paz interior em nossos corações.

3.1 Primeira atitude: RecolhimentoÉ preciso recolher-se para poder fazer uma bela meditação. Isto implica em se afastar de todos os pensamentos, todos os desejos e preocupações por um momento. Devemos tentar, o máximo possível, “limpar” dentro da mente todas as imagens que permanentemente nos afetam, tais como imagens de coisas e pessoas que casualmente vemos em jornais, revistas, propagandas, televisão, internet, out-doors e muitas outras vias de comunicação.
Por isso, antes de iniciar propriamente a meditação, é preciso tempo de concentração, respiração e boa posição física. A paz costuma ser gerada nesta atmosfera de paciência e atenção silenciosa à meditação.

3.2 Segunda atitude: humildade diante da oração
Para aprofundarmos na vida de oração é preciso ter consciência de nossas debilidades; da necessidade da misericórdia de Deus, pois não sabemos como orar (cf. Lc 11,1) diante de Deus.
“Na oração mental entramos num domínio do qual não somos os senhores, e nos propomos a consideração de verdades que excedem nossa compreensão natural e que têm, no entanto, o segredo de nosso destino”[16].
Assim, diante do Senhor temos que nos fazer um ‘nada’ por amor. Ser nada significa nada exigir, nada criticar, nada raciocinar. Deus só pode encher de paz aqueles que se fazem um nada diante d’ele, pois se estão cheios de si mesmos, não há espaço para Deus.

3.3 Terceira atitude: tomar consciência do lugar da oração
É preciso encontrar um lugar que ajude a prática da oração. Talvez a preferência seja um ambiente silencioso. Um lugar que possamos estar sozinhos com Deus. Depois, outras atitudes são importantes: ter uma postura corporal relaxante que ajude a rezar, marcar um tempo para a oração, para não encurtá-la por causa das preocupações ou distrações e nem alongá-la demais, pois precisamos sugerir um tempo para meditar e cumpri-lo a rigor; isso ajuda na disciplina e obediência a nós mesmos.
No ambiente de oração, pode uma música relaxante, como sons ambientais da natureza, pássaros, o som do mar e outros podem nos ajudar na concentração. A respiração é algo fundamental. É preciso inspirar e expirar com calma. Pode-se, em pensamentos, inspirar a paz de Deus e expirar os problemas, as preocupações por alguns instantes.

3.4 Quarta atitude: diante da presença de Deus
Aos poucos devemos fazer silêncio interior. Entrar dentro de si e esquecer-se do barulho externo. É importante iniciar com uma oração espontânea, pedindo a presença de Deus, louvando e agradecendo Sua presença; pedindo que oriente este momento de meditação. Se houver dificuldades nos momentos iniciais, ou mesmo em fazer uma oração espontânea, pode-se recitar um salmo ou cantar um mantra, um refrão ou uma invocação ao Espírito Santo.
Importante também é pedir uma graça no início da meditação. Por exemplo, a graça de ouvir os apelos de Deus naquela ocasião. Pode-se pedir para não ser surdo à voz de Jesus. É a oportunidade de pedir a paz no coração...
Mas este exercício não pode ser forçado. No início é difícil haver concentração. Mas devemos ter paciência, serenidade até porque estamos conhecendo nossas reações diante da oração, diante de Deus. E só saberemos o quê pedir e como pedir a Deus quando começarmos a nos conhecer.

3.5 Quinta atitude: texto bíblicoPodemos começar por um pequeno texto. Deve ser lido, relido, entendido e meditado. Como? Entrando no ambiente daquele texto; ver, ouvir e falar com os personagens; apontar a presença de Jesus, de Maria; perceber cada um deles, as expressões faciais, a posição das mãos, a expressão corporal etc.
Também devemos perguntar a eles, tirar nossas dúvidas. Falar com Jesus, deixar-se tocar por ele, ser visto por ele. Visualizar o sorriso de Jesus, a maneira que ensina, como se dirige às pessoas.
Prestemos atenção nos sentimentos que surgem nesse momento: paz, alegria, inquietação, medo, dúvida, angústia, amor, paz... após tudo isso, terminemos o momento de meditação pedindo a Deus forças para continuar a caminhada da vida.

3.6 Sexta atitude: retomar o ambiente de oraçãoAo abrir os olhos, visualizando novamente o ambiente da oração, podemos nos lembrar de tudo o que foi importante na oração. Como estávamos antes e como estamos agora; os sentimentos bons e ruins; o que o texto despertou em nós. A palavra meditada nos fez lembrar de alguma fase ou de algum fato da vida? Que apelo Deus nos fez? Pediu-nos algo? Houve resistência à sua Palavra? Isto tudo pode ser anotado num caderno de meditação. E servirá como um tesouro ou como um testamento espiritual que nos alimentará em muitas ocasiões da vida.
A meditação é a obra espiritual de encontro, de acolhida e experiência profunda de paz com Deus. Trata-se de um mergulho no abismo intransponível do amor pessoal e eterno de um Deus que não sabe fazer outra senão amar intensamente. Portanto, não tenhamos medo de entregar tudo a Ele. É ele quem cuida de nós, é Ele a nossa paz e a nossa salvação.
Olhai os pássaros do céu; não semeiam nem colhem, não têm celeiro nem depósito; mas Deus os alimenta. Quanto mais valeis vós do que as aves! Quem dentre vós, com as suas preocupações, pode prolongar por um pouco a duração de sua vida? Portanto, se até as coisas mínimas ultrapassam o vosso poder, por que preocupar-vos com as outras? Considerai os lírios do campo, como não fiam nem tecem. Contudo, eu vos asseguro que nem Salomão, com todo o seu esplendor, se vestiu como um deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo que existe hoje a amanhã será lançada no forno, quanto mais vós, homens fracos na fé! Não busqueis o que comer e ou beber; e não vos inquieteis! (Lc 12, 24-29)
E também:
Não vos inquieteis com nada; mas apresentai a Deus todas as vossas necessidades pela oração e pela súplica, e em ação de graças. Então a paz de Deus, que excede toda a compreensão guardará os vossos corações e pensamentos, em Cristo Jesus (Fl 4,5-6).
Confiando assim em Deus, teremos a sua paz; e nada poderá tirá-la de nós.

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 2002. 2206p.
2. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000. 734p.
3. MERTON, Thomas. Direção Espiritual e Meditação. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes. 1965 126p.
4. NEWMAN, J. A maturidade cristã. Trad. Nivaldo F. Sampaio. São Paulo: Paulinas. 1968, 239p.
5. PAULA, Blanches. LEITE, Nelson L. C. (org.). O Evangelho e as questões emocionais. 2ª ed. São Paulo: Metodista. 2004. 70p.
6. PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, 101p.
Diácono Éderson.
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[1] PAULA, Blanches. LEITE, Nelson L. C. (org.). O Evangelho e as questões emocionais. 2ª ed. São Paulo: Metodista. 2004. p. 43.[2] São Serafim de Sarov apud PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 09.[3] Ibid p.10.[4] NEWMAN, J. A maturidade cristã. Trad. Nivaldo F. Sampaio. São Paulo: Paulinas. 1968, p. 116.[5] PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p.12.[6] Estas duas idéias estão presentes na obra de Jacques Philippe (Cf. PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 25).[7] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. N. 321. São Paulo: Loyola, 2000. p. 95.[8] PHILIPPE, Jacques. Tradução de Emérico da Gama. A paz interior. São Paulo: Quadrante. 2006, p. 26.[9] Ibid. p. 28.[10] Ibid, p. 40.[11] MERTON, Thomas. Direção Espiritual e Meditação. 2ª Ed. Petrópolis: Vozes. 1965. p. 81[12] Ibid, p. 81.[13] Ibid, p. 82.[14] Ibid, p. 82.[15] Ibid, p. 90.[16] Ibid., p. 96.

EXPERIÊNCIA NO RETIRO DE SACERDOTES – MARIÁPOLIS GINETTA

Experiência narrada no Retiro de sacerdotes – Mariápolis Ginetta
Meu nome é Éderson, sou diácono da Diocese de Santa Maria, RS. Moro este ano aqui na Mariápolis Ginetta. Estou aqui este ano para um estágio, uma escola de vida no Ideal da Unidade. Conheço o Movimento há algum tempo, mas foi neste a oportunidade de estar aqui. Moro com mais três seminaristas que, no próximo ano, entrarão na Teologia.
Iniciei esta experiência como seminarista.
Quando soube que viria para cá, no ano passado, disse a Deus que estaria aberto a sua vontade, mas pedi também a graça de fazer a experiência do vazio, pra viver a riqueza da Escola e deixá-Lo me inflamar da melhor forma possível.
De fato, estar aqui este ano significa re-escolher a Deus sobre todas as coisas. E estando n’Ele, me preparar para a vida ministerial que se segue. É muito interessante perceber que esta escolha bem concreta de Deus implica em rever minha relação espiritual com Jesus; significa rever meus relacionamentos com aqueles que estão ao meu redor; significa também permitir que Deus mexa nos meus apegos e se faça presente também nas horas de dor.
Concretamente, tudo isso é proporcionado através da vida que circula na unidade com os outros seminaristas.
Fiz várias experiências de amar gratuitamente desta forma: aqui em nossa casa, trabalhamos todos os dias e também realizamos inúmeras atividades. Por vezes no dia-a-dia, me pesou um cansaço que me fez esquecer o amor expresso nas pequenas coisas. Por exemplo: muitas noites, especialmente as mais frias, percebia que a nossa pia ficava cheia de louça suja. Nessas ocasiões senti o ímpeto de amar concretamente, me esvaziando de desculpas pra não limpar a louça. A vida de comunhão me proporcionou enfrentar os limites do cansaço, do frio e dos julgamentos. Decidi que não iria julgar ninguém, pois alguém deveria limpar a louça. Por quê não poderia ser eu mesmo? E ao lavar a louça, sentia que amava. Nessas horas lembro-me da passagem: “A mim o fizestes”. Portanto, lavar a louça significou me doar na medida do amor de Jesus, ser amor e proporcionar um ambiente digno aos que vivem comigo.
Percebo, além disso, que o amor que circula em nossa casa, é recíproco, ou seja, vai e volta. Muitas vezes amei lavando a louça em noites frias. Meus colegas também amam de outras formas. Por exemplo, me ajudam a cozinhar, porque não sou bom cozinheiro.
Nossa comunhão de bens é outra oportunidade de amar e viver o evangelho concretamente. Reunimos nossos salários, sentamos e pensamos o que devemos comprar, o que pagar primeiro ou se alguém precisa de algo pessoal, de um remédio, de dinheiro pra cortar o cabelo. Pensamos tudo juntos, depois realizamos exatamente o que combinamos. Isso nos dá a certeza de que Jesus está no meio de nós, pois ele mesmo nos diz: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estou no meio deles”. Combinar, organizar e realizar as coisas juntos, tem um por que, tem uma finalidade: fazer a vontade de Deus; estar na presença de Jesus.
Deste modo, poderia enumerar muitíssimos frutos, mas quero apenas dizer que esta vida de comunhão me faz mais simples, mais dependente da ajuda dos outros, me faz sentir que o exercício presbiteral, a que me encaminho, deverá ser realizado sempre em comunhão. É desta forma que acolho a graça de me comprometer com um sacerdócio que primeiro ama a Deus, depois realiza atividades pastorais. E é desta forma que re-escolho a Deus sobre todas as coisas.

PENSAMENTOS A PARTIR DE FREDERICO NIETZSCHE

Pensamentos a partir de frases de Frederico Nietzsche[1]

“Após o cansaço da busca, Aprendi o encontro.
Após afrontar vento frontal, Navego com todos os ventos”
(Frederico Nietzsche).

Por que ainda insistimos em brigar com Aquele que nos ama? Às vezes, penso eu, que somos duros de coração e fracos de inteligência...Que o Senhor nos ajude na santa viagem do encontro com Ele! Apesar de nossos cansaços...
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“Aqueles que procuram repouso. – Reconheço os espíritos que procuram o repouso pela grande quantidade de objetos sombrios que dispõem a seu redor: aquele que deseja dormir obscurece seu quarto ou se enfurna em uma caverna. Indicação para aqueles que não sabem o que mais procuram e que bem o gostariam de saber” "(Frederico Nietzsche).

Fiquei pensando em duas coisas: o repouso de Deus e o repouso do mundo. Eu me pergunto: "Que tipo de repouso procuro?” Ora sempre procuramos algum...Mas para responder, penso que é preciso que eu pense o seguinte: aquilo que meu coração deseja, minha mente pensa e minhas mãos realizam é atividade de um espírito que pode agir à luz do dia ou de um espírito que procura objetos sombrios na calada da noite? Desejo que tu te assemelhes sempre mais Àquele que Luz e Repouso de pax! E que teus objetos e tuas relações sejam como refletores que ajudem outros a acharem o que procuram.
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“Felicidade da renúncia. – Quando se renuncia a alguma coisa e por muito tempo, se porventura a reencontramos quase acreditamos que a descobrimos...e quão é a felicidade do homem que descobre! Sejamos mais sábios que as serpentes que ficam demasiado tempo deitadas ao mesmo sol” "(Frederico Nietzsche).

Penso que a vida é feita de escolhas e de renúncias. Na real, acho que tanto uma renúncia quanto uma escolha, por menor ou maior que sejam, devem valer a pena. Escolho alguma(s) coisa(s) porque renuncio a outra(s) e renuncio alguma(s) coisa(s) quando escolho outra(s). O fato é que devo perder alguma(s) coisa(s) para ganhar outra(s) e vive-versa. Isto acontece na vida (humana) natural que – me desculpem – não tem muita diferença da vida de outros animais!Mas na vida sobrenatural que acontece o paradoxo, ou seja, o que os olhos da natureza carnal não conseguem compreender: na vida sobrenatural cristã, o perder é o ganhar! Sim, perdemos para ganhar muito mais. “Quem deixar....(nossa...aqui...posso...dizer...tanta...coisa...) por causa de mim, receberá o cêntuplo na terra e herdará o Reino dos céus”, disse Jesus. Só compreende isto quem consegue olhar para o céu e pensar em Deus. Desejo que não sejamos como as serpentes: rastejam na penumbra, possuem uma alegria do estômago e das genitais, mas são incapazes de contemplar o que há nos céus! Terrível! Terrível é saber que muitos de nós, SERES HUMANOS, vivem como estes seres que são incapazes de perder para ganhar: simplesmente não pensam! Quero Senhor nos ajude a perder muito neste dia de hoje.
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“Sempre em nossa sociedade. – Tudo aquilo que é de minha espécie, na natureza e na sociedade, fala-me, louva-me, encoraja-me... O resto não o entendo ou o esqueço imediatamente. Estamos tão-somente em nossa própria companhia”.(Frederico Nietzsche)

Nietzsche me faz hoje pensar sobre nossa humanidade. Tudo o que é humano é expressão de beleza e de verdade; é digno de nós. Uma vez alguém ganhou um presente, um objeto muito bacana. Teve uma grande alegria, mas não maior do que celebração da amizade de quem o presenteou. De fato, o que nos faz ser mais pessoas e menos objetos nos deixa mais realizados e mais felizes. Isto me faz entender que quando formos para o céu só levaremos nossas boas relações construídas e cultivadas. O resto, as coisas, bem... o resto ficará por aqui mesmo, tentando desviar e instrumentalizar algumas pessoas.
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“Ser profundo e parecer profundo. – Aquele que se sabe profundo esforça-se por ser claro, aquele que deseja parecer profundo à plebe esforça-se para ser obscuro. Pois o populacho tem por profundo tudo aquilo de que não pode lobrigar a fundo: é tão timorato e tem tanto repugnância de se meter na água!” (Frederico Nietzsche).

Pensei o seguinte: o verdadeiro sábio apreende uma realidade (um assunto, uma técnica...) e a transmite a outros com clareza. Mas quem apreende uma realidade e não sabe transmiti-la, é egoísta e/ou limitado; geralmente tende a falar muito, enrolar mais ainda e se utilizar de palavras de efeito para preencher o precioso tempo e espaço do conhecimento. É aquilo que dizia Renato Russo em uma de suas canções: “Fala demais por não ter nada a dizer”. Quem entende e transmite um conhecimento com clareza, realmente é sábio e esforça-se para ser mais claro ainda. Este tosco e obscuro pensamento que transmito talvez seja uma forma clara de mostrar o quanto é ainda obscuro! É preciso profundidade, digo a mim mesmo! Mas quem não precisa?
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Nossos pensamentos. – Nossos pensamentos são as sombras de nossos sentimentos – sempre mais obscuros, mais vazios, mais simples que estes” (Frederico Nietzsche).

O que pensamos e o modo com o qual pensamos é expressão daquilo que sentimos. E quanto mais sentimos, mais fantasiamos para podermos sentir com maior intensidade. Mas o quê sentimos? Pergunto. E o quê pensamos? Insisto. Quem pode controlar os sentimentos e os pensamentos? Não sei. O que sei, porém, é que se minha vida seguir apenas o que sinto, estou perdido! Por quê? Porque não sinto só amor, alegria e felicidade. Sinto também ódio, raiva, inveja, solidão... Mas – podes me perguntar – não bastaria sentir um pouco de amor, alegria e felicidade para guiar a vida? Digo-vos: sim! Mas também ironizo-vos: o que o ser humano tem mais tendência a sentir? Ódio ou amor? Vomito-vos: ódio! Só amamos se aprendemos a amar. Não é preciso aprender a odiar...No mundo animal, o leão ruge, corre e mata sua presa. Está odiando? Não! Está sobrevivendo. No mundo “humano”, muitos de nós não rugem, mas sorriem uns para os outros. Estamos amando? Nem sempre. Talvez até estejamos odiando, matando e estraçalhando o outro com os sentimentos, com os pensamentos e com coração. O que fazer? Parar de sentir? Impossível e irracional. Parar de pensar? Menos ainda. Não percebo outro caminho senão o caminho do sentir, pensar, querer e agir segundo Cristo, nossa única e insubstituível resposta. Sem Ele posso te matar sorrindo, te amar mentindo e viver pensando que sou feliz.
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“Na solidão. – Quando se vive só não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. Todas as vozes têm outro timbre na solidão” (Frederico Nietzsche).

De que solidão Nietzsche está falando? Certamente da mais terrível delas: a solidão absoluta do homem sem Deus, sem fé e sem os outros! Isto é o NADA. Mas nós humanos não podemos viver no nada, pois nossa aspiração aponta para o TUDO, para o alto. Penso que quem vive neste tipo de solidão, o pouco que se fala, que se escreve e que se deixa ecoar, é muito alto – ensurdecedor! Na verdade, o medo está no eco. Ah... o eco... aquela ressonância cheia de som, mas vazia de sentido; que se esvai no tempo e no espaço infinitos sem retorno, sem resposta, porque não há o outro para responder. Mas há, ainda, um tipo de solidão tão terrível quanto esta: a solidão daqueles que estão no meio de muitos, mas continuam só. Por vezes bradam sem serem ouvidos; choram sem serem consolados; morrem sem serem percebidos! Na solidão social nem mesmo há ecos. São muitas vozes que em meio à confusão, à gritaria e à correria, perdem-se como folhas secas nos ventos de outono. Pergunto-me, então, como perceber o TUDO, no alto, o Belo e a Verdade nisto tudo? Há um caminho? Consternado, mas convicto digo: Sim! Penso que o primeiro passo é não mais buscar o TUDO no nada do mundo, mas no meu nada descobrir o TUDO que habita em mim e que, diferentemente das outras vozes, fala muito alto dentro de todos nós porque é companhia segura, escreve também muito alto porque desenha, com um fio de outro, o nosso destino e que, por fim, não receia o eco porque há a segura resposta de si e dos outros; Deus! Portanto, quando encontramos o TUDO dentro de nós, ainda que estejamos em momentos de solidão, estamos plenamente acompanhados! Afinal: “Todas as vozes têm outro timbre na solidão”.
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“O pensador. – É um pensador: isto quer dizer que se empenha em tomar as coisas com maior simplicidade que realmente contém” (Frederico Nietzsche).

O que nos diferencia dos outros animais (os não racionais, claro)? A consciência. Com ela podemos assimilar novos conhecimentos para não reproduzir, irrefletidamente, automatismos, animalidades e erros que um dia cometemos. É assim mesmo? Bem, pelo menos só o fato de pensar já nos torna diferentes dos animais... Verdade? Bem, (de novo!) pelo menos somos superiores aos animais... (sugiro um pequeno silêncio, semelhante ao luto). Mas quem pensa e pensa com profundidade, relaciona-se com a verdade e transcende todas as coisas materiais. Isto é bom? Certamente. Contudo, pensar é também sinônimo de sofrimento, pelo simples fato de que quem pensa (como ser humano, naturalmente), consegue discernir sobre os mistérios dos homens e de Deus. Isto é bom? Sim e não! Sim porque nossos pensamentos (de preferência) elevam nossa vontade e nossos sentimentos à contemplação da suprema Verdade, que é Deus. Não porque quanto mais se aprofunda sobre as realidades humanas e divinas, mais se visualiza a podridão humana e a “inalcançável realeza divina”. O que nos resta então? “(...) tomar as coisas com maior simplicidade que realmente contém”. Por quê? Porque nossa humanidade não pode, com sua miserável potencialidade, dar um salto qualitativo e repentino para retirar de si tudo o que é mau, sem antes elevar um pensamento novo. Tampouco alcançaremos, por nossas próprias forças, a realeza de Deus, sem acolher a sua Vontade. Não sejamos estúpidos, como fora Adão! És um(a) pensador(a)? Cuidado com teus pensamentos: eles te deixam mais semelhantes ao humano e ao divino ou mais semelhante aos animais!
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“Onde estiverdes, cava fundo, a fonte fica embaixo. Os homens sombrios que gritem: “embaixo fica o inferno” (Frederico Nietzsche).

Onde está a profundidade dos homens? Não, não me diga que não há resposta porque há. Talvez nós não saibamos onde ela esteja. Isto é diferente. Mas como ser profundo hoje em dia se não conhecemos nem mesmo a nós mesmos, quanto mais os outros, o mundo e Deus! Se as fontes estão no mais profundo de todas as coisas, como alcançá-las? Com que meios e com que justificativa? (Ai Deus...). Só de pensar que há realidades a serem descobertas e que estão além de nossa retardada ciência, tenho a vontade de parar de pensar. Bem... ainda assim me conto feliz porque, ao menos, sei da necessária busca de profundidade em todas as coisas. Penso estarmos à frente de muitos espíritos que tropeçam em suas vãs filosofias, contentes por investigar aquilo que seus olhos, ouvidos e demais sentidos conseguem, às apalpadelas, intuir. Mesmo assim me pergunto o como e o porquê aprofundar-se no máximo possível se não conheço o mínimo indispensável. São muitas as tentativas, mas me contento com apenas uma: o silêncio. Sim, quanto mais fundo cavar, mais silêncio me encontrarei. As águas mais profundas são as mais silenciosas, assim como os poços mais fundos são os mais límpidos, já dizia um velho sábio. Os homens: os mais silenciosos são santos ou são demônios! São santos afáveis ou piedosos manipuladores...Em outras palavras, são aqueles que mais intencionam o bem ou o mal. Sabes que tipo de gente Jesus mais enfrentou? Os silenciosos e sombrios fariseus, os túmulos caiados: belas esculturas por fora, mas cadavéricos por dentro! Por quê? Porque silenciavam única e exclusivamente para seus próprios interesses. Eram profundos sim, mas cavavam até onde levava o dinheiro. Então, que profundidade queremos? O Senhor do Silêncio, que é a fonte por onde jorram riquezas imperscrutáveis. N’Ele está a profundidade do homem. Ele é a razão do silenciar e a única via do encontro com o mais profundo de todas as coisas. Deus é o principium de todas as coisas. Assim como todos os números ad infinitum dependem do número um para existirem e serem compostos, da mesma forma tudo no mundo depende da fonte primeira: Deus. Se O descobrimos em noss’alma, descobrimos a nós mesmos, inclusive. (E também o que somos capazes de fazer!).
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“Não fiqueis nos baixios. Não subas às alturas. O mais belo mirante do mundo está no meio da encosta” (Frederico Nietzsche).

Ver a realidade do mundo por baixo, pode ser sinal de desprezo e confusão: não se vê direito e o que se vê, se percebe dubiamente. Talvez conhecer e amar uma pessoa vendo seu calcanhar apenas. Por outro lado, ver a realidade do mundo por cima, pode ser sede de amor próprio; estar acima do bem e do mal e esquecer-se da mendicante condição humana. Agora, contemplar o horizonte apesar dos obstáculos... É sabedoria. Pode-se ver tudo e a todos sem concorrer com as formigas que labutam sem parar, tampouco concorrer com o sol, absoluto e observador desta nossa condição. Talvez o horizonte seja mesmo o meio termo: em baixo posso não só ver como ser pisoteado; em cima vejo a dimensão de minha própria queda. Mas pelo horizonte do equilíbrio, me realizo no sempre áureo tempo presente. Isto não quer dizer que vejo pouco ou vejo muito, mas o suficiente: daqui, de onde estou, vejo um mundo de realizações, o belo mirante que compartilho com os outros.
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“Se não desejas cansar olhos e sentidos correm atrás do sol à sombra” (Frederico Nietzsche).

Diante de uma luz muito forte, os olhos doem e a condição humana se perde na luminosidade, a ponto dos sentidos ficarem turvos e imprecisos. Mas isto é exceção. Assim como é exceção permanecer em meio às trevas. Habitual é estar no paradoxo, labutando, remoendo e mendigando ora na luz ora nas sombras. Contudo, o anseio de contemplar o Sol é grande, é infinito. Mas o temor de queimar as pupilas e perder os sentidos faz olhar para baixo. O que fazer diante desta indecisão? É também questão de escolha, como a maioria dos dilemas humanos... . O fato é o seguinte: deve-se optar enquanto há tempo! Mas como escolher a luz se as sombras são atraentes como vinho doce? Mais que isso: elas fazem parte da sorte dos homens! E como estar imediatamente na luz se, diante dela, o corpo humano sempre fará refletir sombras ao chão? Não...não! Quem ainda rasteja sobre a terra não pode dizer que está absolutamente na luz, pois continua desejando-a. Ora, quem já está nela não mais a deseja – não se deseja aquilo que já se possui absolutamente! Para os espíritos fracos, é mais fácil morrer do que pensar em sua própria condição. Mas há respostas? Não, há uma só resposta: assumir as sombras em si como ocasião para se buscar mais e mais a luz. Afinal de contas, o quê dá a devida imponência à Luz senão a pérfidas sombras? Os espíritos fortes e cheios da Luz (aqueles que se assumem diante dela, é claro) farão delas sombras, aliadas na busca e no encontro com o Sol de Justiça que dos altos céus queima, ilumina e abençoa o vale das sombras. Eis, desejador: “corre atrás do sol à sombra".


Diácono Éderson.

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[1] Importante: não quero aqui fazer uma interpretação da filosofia de Nietzsche e forjar uma realidade diferente daquilo que ele quis escrever, pois não tenho elementos suficientes para tanto. Quero apenas divulgar algumas idéias que me inspiraram ao ler frases esporádicas deste grande filósofo.